Eles virão? E a comunicação?

A importância da comunicação e o triste caso do Seu Juca.

Recentemente, fui solicitado para falar do tema  “a importância da comunicação numa empresa”. Na ocasião, improvisei esta parábola e reproduzo, com alguns comentários, aqui.

O Sr. Joaquim, ou melhor, Seu Juca, era um sapateiro talentoso. Manipulava couros, tesouras e agulhas como ninguém. Quando chegou a Mercadoville resolveu abrir seu estabelecimento.  Contava com a ajuda de seu filho, Juquinha, para ser seu ajudante.

Sapateiro

  • Como vamos sobreviver aqui pai? – Questionou Juquinha.

  • Estou abrindo a melhor sapataria da cidade, nossos futuros fregueses ficarão encantados com nosso serviço.  (Respondeu Seu Juca).

  • Mas como eles saberão que temos essa sapataria?

  • Eles virão filho, eles virão.

  • Mas pai, não é melhor comunicar isso, sei lá, pintar essa fachada, distribuir uns folhetos?

  • Não precisa destas coisas filho, os clientes virão. Não tem melhor sapateiro aqui em Mercadoville do que eu. Vamos é fazer essa faxina, botar as coisas no lugar e começar a trabalhar.

Enquanto buscavam caixas na frete do portão, surge um momento de sorte. Um vizinho aparece no portão ao lado.

  • Bom dia, vocês são novos aqui? Meu nome é Pedro.
  • Acabamos de chegar, sou sapateiro, me chame de Juca e aquele é meu filho e meu ajudante, Juquinha.

  • Sejam bem-vindos. Que coincidência,  eu estava mesmo precisando consertar um par de sapatos.

Minutos depois o vizinho volta com um sapato surrado, um ponto na lateral sem costura e algumas manchas. Era para recosturar e repintar na cor marrom original. Seu Juca, repassou o par de sapatos ao filho, para consertar enquanto ele montava o balcão.

Várias pessoas passavam pela frente do portão. Mas, na falta de uma fachada, não sabiam que ali estava uma sapataria. Os dias foram se passando. Juquinha queria colocar ao menos uma placa, deixar folhetos pela redondeza.

  • Pai, não tem freguesia, a gente precisa divulgar.
  • Os fregueses virão filho, eles virão. Sou o melhor sapateiro daqui e logo você será um sapateiro tão bom quanto eu. E sempre terá alguém querendo consertar uma bolsa, uma valise ou um sapato.

O tempo foi passando, dias, semanas.  A oficina de bicicletas na casa da frente, que abriu depois da sapataria estava sempre cheia:

  • Ajudou quando o dono promoveu um passeio ciclístico pelas ruas do bairro.
  • Deixou folhetos nas portas da vizinhança.
  • Colocou uma bicicleta antiga na frente, com a placa “aqui toda bicicleta tem concerto, preserve sua magrela”.
  • Com um computador no balcão, passou a avisar por email quando as bicicletas dos clientes estavam prontas.
  • E até montou um blog falando da sua paixão pelo ciclismo e claro, sempre divulgando sua oficina, que logo passou a revender peças também.

Juquinha até gostaria de fazer coisas assim, mas Seu Juca achava isso tudo uma despesa desnecessária. Afinal, “os fregueses virão”, como ele sempre dizia.

Já Seu Pedro, o vizinho, primeiro e único freguês, teve problemas. Seu Juca não avisou ao Juquinha para repintar na cor marrom original. O garoto recosturou, mas fez nova pintura em preto. Seu Pedro saiu de sapato na mão e com uma cara de arrependido.

Depois de algumas semanas, a “melhor sapataria de Mercadoville” fechou. Os clientes não vieram. Com ninguém para solicitar os serviços, o empreendimento de Seu Juca não prosperou. Faltou comunicação (interna e externa).

Seu Juca se parece com você?

Você deve ter lido e pensando, “puxa, Seu Juca cometeu erros óbvios, não divulgou seu empreendimento, não poderia dar certo mesmo”.

Sim, este caso (ou “causo”) é caricato.  Nenhuma empresa que se preze montaria um ponto comercial sem uma fachada que ao menos identificasse a atividade (a menos que seja numa “Cidade Limpa” como São Paulo com sérias restrições quanto a isso). E não abriria as portas sem nem ao menos uma ação de propaganda.

Mas, muitos erros são cometidos por empresas já estabelecidas, por exemplo:

1.    Não comunicar suas marcas de forma integrada e planejada. De repente faz um “reclame” no rádio. Noutro mês, distribui panfletos, com uma mensagem diferente (e que distoa) daquilo que disse no rádio. Daí descobre que acabou a verba que deveria ser reservada ao anúncio da lista telefônica.

2.    Narcisismo corporativo: achar que por sua empresa já ser conhecida (orgulha-se dos 30, 40, 100 anos de existência) não precisa se preocupar com novos concorrentes, novas gerações de consumidores, mudanças de cultura, de tecnologia e de mercado. Por mais que seu produto seja “o melhor”, não posiciona isto de forma clara, para se destacar da concorrência.

3.    Falta de visão de cliente: comunica o produto ou serviço, mas esquece do benefício (vantagem) que deve oferecer ao consumidor.

4.    Amadorismo: já que o sobrinho do afilhado do seu cunhado é um garoto “que entende desse negócio de computador”,  poderá fazer a marca da empresa “bem baratinha”, de quebra já faz “um site rapidinho”.

E a Internet?

E por falar em Internet, muitas (muitas mesmo) cometem o erro do Seu Juca. Investem num site, “colocam no ar” e… só isto.

Acham que os internautas virão.  Site, por mais específico que seja o público, precisa de audiência (por mais segmentada que seja). Então, não invista em site sem pensar em divulgação, passando por mídia online, e-mail (não SPAM), SEO (otimização para buscadores) e sem dar algo em troca pelo tempo que as pessoas visitam o site (voltando a questão do benefício para o cliente).

Este meu humilde site por exemplo, é para divulgar seu autor (eu mesmo), posicionando minha pessoa como alguém que conhece algo sobre marketing a ponto de merecer ser contratado como especialista neste tema. Por isto, ofereço algum conteúdo, que agregue algum conhecimento ou reflexão a você, que está investindo alguns minutos com a leitura. Reconheço que precisaria escrever aqui com maior frequência, até.

Quando se fala em Internet, atualmente, é preciso rever alguns conceitos: por exemplo, a home page não é mais a página mais importante, pois seu visitante pode estar mais interessado numa página interna bem específica, o que exige pensar em arquitetura de informação, estratégia de conteúdo, SEO (novamente) etc.  Outro exemplo, seu endereço de site (.com) não é mais suficiente para gerar interação (e interesse) do público, o que exige uma participação (planejada e integrada) nas redes sociais.

Vou lhe contar um segredinho sobre Internet: interatividade é tudo (sim, eu  já dizia isso em 1996). Outro segredinho: conteúdo também é tudo. Sites desatualizados, incompletos, sem nada novo (e vantajoso) a oferecer não conseguirão atrair e manter audiência e logo, relevância para os negócios.

Comunicação não é só divulgação

Entre os erros descritos no triste caso do Seu Juca, algum leitor atento deve ter percebido um que nada tem relação com a divulgação massiva dos serviços da empresa e sim na comunicação interna da empresa e no atendimento ao cliente.

O vizinho queria um sapato pintado de marrom e saiu com um sapato preto. Erro do Seu Juca ao não comunicar um detalhe do serviço ao seu ajudante. Erro maior não ter feito algo para recuperar a confiança do arrependido cliente. Aquele cliente conquistado por mero acaso (como o vizinho do Seu Juca) ou por intenso e caro esforço publicitário pode ser perdido por uma falha tola de comunicação interna, de procedimento.

Ah, mas sua empresa não é a sapataria do Seu Juca. Quantas marcas são jogadas na lama, mesmo de grandes empresas, por causa de um atendimento telefônico ruim?

sapataria

Essência do Marketing

Sempre resumo o conceito de marketing em uma frase: “a gestão de solução, comunicação e  relacionamento”. E admito que é cada vez mais difícil separar a comunicação do relacionamento. São ações interdependentes.

Também o marketing não se resume em comunicar. Num mundo em que as pessoas jogam calçados usados no lixo, é difícil para uma sapataria sobreviver. Precisa prestar um serviço de altíssima qualidade (percebida pelo cliente), com preços compensatórios (em relação à compra de calçados novos).  Agregar serviços que vão além do concerto de calçados,  algumas sapatarias se tornaram lojas e fabriquetas de artigos artesanais de couro. Aqui em Joinville, SC, há uma sapataria que é referência em concertos e artesanato em couro. Serviço de busca e entrega proporcionariam ao cliente ganhar tempo. Por fim, uma comunicação que torne isso conhecido no mercado. Ser o melhor não é ser o mais habilidoso sapateiro, e sim o sapateiro que melhor usa estas habilidades para fazer algo que agrade à clientela, e claro, que comunique isto muito bem.

No caso do Seu Juca, uma visão de marketing mostraria que tem muita gente que joga calçado fora para comprar novo (o apelo da moda e da praticidade).

Mas tem gente que cederia a alguns apelos de marketing do sapateiro, como:

  • O econômico (consertar é mais barato).
  • O retrô (quando o antigo volta à moda).
  • O ecologicamente correto (reciclar couro, restaurar calçado evitando consumir novos produtos e gerar mais lixo).
  • O emocional (consertar aquele “sapato querido” que ganhou no dia da formatura).
  • E no caso do sapateiro-artesão, a valorização da arte popular, do rústico e do personalizado.

Então, o marketing profissional pode ser aplicado a uma pequena sapataria? Sim, pode e deve. Assim como a pequena oficina de bicicletas, que citei no começo do texto ou uma grande corporação.

E no seu caso? Que posicionamento tomar? Que argumentos dizer? Que benefícios oferecer e comunicar? Certamente, o melhor não será ficar em silêncio.

Mercadoville pode ser uma vila, uma grande cidade, ou até o mundo todo, nesta era de conexão virtual. Sua empresa pode ser uma sapataria como a do Seu Juca ou uma grande multinacional. Importante é comunicar bem, se relacionar bem , daí “eles virão e permanecerão”.

Por Charles A. Müller

 

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