Chris Anderson fala de Free e Cauda Longa

Continuando a cobertura do IV Fórum Internet Corporativa, realizado ontem, 08/10/08, em Porto Alegre, comento agora a palestra de Chris Anderson, editor-chefe da revista Wired e autor de “The Long Tail” e “Free“, com um resumo da apresentação e uma questão que levantei no debate.

Cauda Longa

Resumidamente, “The Long Tail” (“A Cauda Longa”) é o fenômeno econômico que caracteriza a venda de diferentes produtos de nicho a poucos clientes (cada) ganhando espaço perante a venda de poucos produtos a muitos clientes.

The Long Tail, The New Market (by Chris Anderson)

O conceito pode ser representando graficamente na ilustração acima, elaborada por Anderson, até para que se entenda o nome.  Trace um gráfico de popularidade x produtos, que indique os volumes vendidos em um mercado (por exemplo, livros, músicas ou vídeos).

Na cabeça da curva (área vermelha) estão os produtos de massa, chamados de hits, são alguns produtos que vendem, cada um, grandes volumes, para muitas pessoas. São os hits musicais, os filmes blockbusters, os livros bestsellers etc.

Na cauda da curva (área laranja) estão os produtos de nicho, que vendem isoladamente em poucos volumes para pouca gente (cada um), mas que somados, tendem a superar o volume e a lucratividade dos hits.

O que Anderson percebeu – ao estudar as vendas das lojas online (como Amazon.com, Rhapsody e outras) – é que a cauda é longa, e está ficando cada vez mais longa, existem cada vez mais produtos específicos de baixo volume individual de vendas, que podem ser oferecidos e vendidos. Ou seja, está ficando viável e lucrativo vender estes produtos. E quem permite isto é um conjunto de tecnologias, cada vez mais presentes. Novas técnicas de logística, produção sob demanda, estoques mínimos, códigos de barra, padrões (EAN, ISBN etc.), informatização, mercado global e claro, a Internet.

Esta, aliás, é grande propulsora da cauda longa, pois numa loja física você recebe, estoca e dá espaço em gôndolas e vitrines aos poucos produtos que mais vendem, ou que têm mais chances de serem comprados, ou que foram mais divulgados na mídia de massa. Já a loja virtual não tem estas limitações físicas, e pode vender o mais específico produto, que você não encontra em outro lugar.

Anderson formulou (ou melhor, analisou) este conceito num artigo (The Long Tail) escrito para a revista Wired em 10/2004, que depois originou um blog e em 2006 um livro. Para entender mais este conceito, recomendo ler o artigo, o blog e o livro (este, com tradução para o português).

Grátis

Oferecer coisas de graça como negócio não é novidade. Gillette dava aparelhos de barbear para vender lâminas. A força do que é grátis está aumentando e a Internet tem contribuído muito para isto, pois os custos operacionais (armazenamento de bytes em servidores, software e transferência de dados) estão caindo bastante (e tendem a zero) enquanto a capacidade operacional tem aumentado.

As bases deste conceito, o Free (que pode ser traduzido como “grátis” e ao mesmo tempo como “livre”, duas palavras com significados intimamente relacionados) estão no artigo “por que $ 0,00 é o futuro dos negócios“, em inglês, publicado na revista Wired. O livro Free tem seu lançamento marcado para meados de 2009.

A Palestra

Feita a devida (e mínima) introdução ao tema, vamos falar da palestra em Porto Alegre. Anderson, obviamente, resumiu os livros e trouxe exemplos. Na maioria dos exemplos, ele focou em mídia, entretenimento e varejo, mas citou casos de produtos como cervejas e tênis. Após a palestra, aconteceu debate com a platéia, com moderação de Sandra Carvalho, editora da revista Info (que, aliás, relatou a influência da revista Wired em sua carreira).

Seguem alguns pontos da participação de Anderson que resolvi destacar.

“Passou-se da economia de dezenas de mercados de milhões para milhões de mercados de dezenas.”

“Com a cauda longa, se está reinventando uma linha de produtos que antes não tinham espaço”. Completando: espaços nos depósitos, nas gôndolas, nos sistemas de produção e distribuição.

“Produtos estes que têm demanda, que não era atendida”.

“Existe muito lixo na Internet. Um dia poderá sair deste lixo todo algo maravilhoso. É importante este vasto conteúdo, para as pessoas poderem escolher.”

Anderson edita a revista Wired (EUA), uma publicação sobre tecnologia, uso da tecnologia, comportamento etc. É a publicação preferida dos “geeks”. A revista é publicada pela Condé Nast, gigante editorial do país.  Obviamente, foi questionado sobre a empresa neste cenário da cauda longa e do grátis. Ele frisou que o grupo tem muito conteúdo grátis na Internet e muitas áreas para a participação do público. Ele mesmo é blogueiro.

“Eu estava errado como editor. Empacotava um conteúdo e entregava ao leitor, achando que ele gostaria disto. Nós (da revista) falávamos. Hoje, nós falamos, mas temos que ser humildes para ouvir. Nosso trabalho é falar e também ouvir. Hoje o público, via Internet, nos indica o que é mais relevante”.

“O pessoal de TI é o pior para nos dizer o que fazer com a tecnologia. O pessoal de TI deve tornar a tecnologia barata, acessível. Nós é que temos que dizer o que fazer com ela”.

“Aquela ‘garota de 15 anos que publicava vídeos contando como foi o seu dia’, na verdade uma atriz, obteve mais audiência que programas de TV em horário nobre”.

“Temos hoje muitos blogs e meios puramente online que recebem mais links, ou seja, são considerados de maior relevância que grandes veículos vindos da mídia tradicional.”

“O fim dos hits? Não. É o fim do ‘monopólio dos hits’. Hits continuarão existindo. Os varejistas online de música fazem mais sucesso com os produtos de cauda longa (nicho) somados do que com os hits. Aliás, os hits têm desconto de preço menor.”

“Não uso o termo ‘web 2.0′, mas podemos definir isto como as ferramentas novas, como mídia social. Na mídia social você dá o controle ao consumidor. Isto pode dar um resultado bom ou ruim para sua marca. O controle não é mais seu”.

O próprio Chris deu exemplos da necessidade, mesmo de empresas “não ponto-com”, em atender a nichos. É caso das cervejarias, que recentemente ampliaram em muito seu mix. Ele mostrou como o mix da Anheuser-Busch (fabricante da Budweiser) foi ampliado. Outro exemplo foi do tênis All Star na cor rosa, feito obviamente para agradar às mulheres (eu acho que também agrada a certos consumidores, biologicamente do sexo masculino, mas que gostem da cor). Há também o exemplo do café, antes visto como produto de 2 ou 3 variedades e que hoje chega a dezenas (lembrei do Kopi Luwak, café de fezes, literalmente).

“É verdade que o Google é muito poderoso hoje e não há o que se fazer sobre isto. Mas, este monopólio vai durar quanto? Cinco, dez ou quinze anos? Há cerca de 10 anos se falava em monopólio da Microsoft. Falar isto hoje é patético. Outros atuarão no mercado do Google e os monopólios tendem a durar menos”.

“Tudo que está online tende a ser gratuito. Veja o caso dos sites de jornais, antes pagos, agora abertos.”

“Em tempos de crise, negócios baseados na gratuidade têm grandes chance de ganharem mercado. Quando o dinheiro falta, o grátis ganha espaço”.

“Temos que pensar além da educação formal, de ir à escola e obter diplomas. As pessoas têm mais oportunidades de serem autodidatas. De usarem a Internet para aprenderem sozinhas e de graça.”

Enquanto Anderson falava em gratuidade, lembrei de um velho ditado. “Não existe almoço grátis”. Chris sabe bem disto, que alguém paga a conta, que sempre existe um custo, mesmo que baixo. Ele agrupou os modelos de negócio da gratuidade em 3 categorias:

  1. Subsídio cruzado: você ganha um produto e compra outro. É o exemplo de ganhar tanque cheio na compra de um carro ou a gravata na compra do terno.
  2. Suportado por anúncios: você recebe uma mensagem publicitária que custeia seu produto grátis. É o caso da TV, do rádio e de muito do conteúdo e dos serviços de Internet.
  3. “Freemium”, subsidiado por alguns. Você tem um produto básico e grátis (free). E outro (premium), mais completo ou sofisticado e pago, cuja arrecadação mantém o básico. É o caso de muitos programas de computador (versão Basic, versão Pro) e de serviços como o Flickr (versão Free, versão Pro).

Num evento destes, sempre aparece alguém na platéia para questionar o “outro lado” do raciocínio do palestrante. Nem vou dizer “quem fui”.

Minha pergunta para o Chris foi: Sr. Anderson. Saindo das ‘dot com’. Fabricantes tradicionais de produtos de massa podem ganhar com mercados de nicho? Elas têm todo um método de produção em grande escala. Aumentar opções de produtos requer mudar os meios de produção e as metas de faturamento?

Ele respondeu: Não. Estas empresas podem promover um aumento das linhas de produtos e adicionar alguns (100 ou 200) produtos mais específicos. Então, elas podem ganhar com os nichos, mas nada que se compare ao mundo online. Não se pode aplicar o conceito de cauda longa a todo tipo de negócio. Eu não recomendaria uma estratégia destas para os próximos anos numa Procter & Gamble, por exemplo.

Num gancho desta questão ele falou da onda de “customização de massa”, quando uma indústria de bens de massa permite que o público personalize alguns produtos. “Não acredito nesta ‘customização em massa’, na Nike (tênis) isto até funciona, a Dell (computadores) já abandonou este modelo. Na indústria automobilística também não deu certo” – frisou.

Refletindo sobre este comentário do Chris, creio que é mais uma estratégia de relacionamento e pesquisa de mercado do que uma ação de vendas. Foi o que motivou minha pergunta lá em cima. Já trabalhei anos no marketing de produtos de uma empresa de material de construção e decoração (a Docol). As tais “peças especiais” são sempre um problema, têm um processo industrial excepcional, interrompem a linha de produção normal, possuem custo mais alto (daí a necessidade de aumentar a margem e o preço), requerem prazos maiores e o pior, demandam controles adicionais. Por outro lado, elas são uma forma de atender as necessidades específicas dos clientes, não deixando-os sem solução para um problema específico. E podem servir de indicador para alteração no mix de produtos.

Charles A. Müller é profissional de marketing e editor do SiteCharles.com.

Veja também o resumo das demais palestras do IV Fórum Internet Corporativa.

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2 thoughts on “Chris Anderson fala de Free e Cauda Longa

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