Repensando metas e preços na crise

Estratégia realista focada em valor pode ser a diferença entre quebrar e sobreviver.

A primeira grande dificuldade em tempos de evidente crise econômica é vender. A segunda é receber e obter lucro. Neste texto evidenciamos a necessidade de uma visão “pé no chão” de metas e margens, procuramos lembrar conceitos de formação de preços, trazendo alternativas para se continuar vendendo.

A primeira grande atitude é conhecer mas, não ficar reclamando da crise, isso não ajuda em nada. Conhecer a realidade do mercado (ou do país) como uma grande onda, não quer dizer ser engolido por ela. A segunda grande atitude é reagir, erguer a cabeça, seguir em frente. É nesta atitude que revisamos estratégias (como as metas), repensamos mercado (e marketing) e retomamos as vendas. Empresas sábias, em plena crise, valorizam a sua alma (as pessoas, que fazem acontecer) e focam na sua mente (clientes) para ganhar corpo (resultado).

Não morra afogado na sua meta

Metas imutáveis me fazem lembrar do conto do iate afundando. Um iate estava afundando, quando a tripulação se preparava para fugir, avisou ao dono “você precisa colocar um colete e fugir conosco num destes botes, isso aqui vai afundar”. Ele respondeu, “não vou abandonar meu iate querido”. Com a água já no joelho, ouviu pelo rádio “já avistamos seu iate, você verá um barco da guarda chegando para o seu resgate”. E respondeu “não venham, eu não vou sair do iate”. Com a água tomando conta e o homem já afundando, passa um helicóptero, mas ele apenas ignora… e morre.

Chegando ao céu (já que burrice não é condenação), resolve questionar Deus, “oh Senhor, como fostes permitir tal tragédia?”. E ouviu a resposta “filho, lhe providenciei três oportunidades de socorro”.

Assim é a visão de muitos diretores de empresas e responsáveis pela definição de metas.

É preciso entender que, se o cenário econômico é de crise, se o mercado está retraído, você não poderá esperar grandes resultados de crescimento, por mais que você precise (ou queira) remunerar bem o capital investido. Não ter prejuízo já é uma vitória, ter uma margem de lucro que ao menos supere a inflação é de correr comemorando gol.

Não estou dizendo que é para se desesperar com a crise e abrir mão da visão e dos sonhos da empresa.

Muito menos que não se deve ter a ousadia necessária para o sucesso. Apenas digo que o momento requer uma visão realista de sobrevivência. Todos na empresa precisam trabalhar com garra, comprometidos em gerar resultado para que a empresa saia viva desta crise.

Objetivos de grande crescimento, até com expansão das instalações, equipamentos, atividades, filiais etc. podem ser apenas adiados, não obrigatoriamente cancelados. Os investimentos e esforços agora devem ser para comunicar, vender e entregar, sem perder o padrão de qualidade.

Isso significa que as metas devem ser definidas e até repensadas com um viés mais coerente com a economia e com o momento do mercado. Não adianta enganar a si mesmo achando que vai faturar o dobro do ano passado com o triplo de margem de lucro se os indicadores caminham para uma retração.

barco afunda
A meta era muito grande para recuar… e o barco afundou.

Metas são objetivos definidos por indicadores, expressos em números. A forma mais comum de se calcular uma meta (e que não é necessariamente errada) é a avaliar o histórico para se projetar o período seguinte. Contudo, é preciso avaliar também se as condições de mercado são as mesmas, se melhoraram ou se pioraram.

Não adianta pressionar o time de vendas com metas altíssimas e inviáveis sob a alegação de que “isso vai fazer o pessoal se esforçar mais”.

O resultado disto é o desastre. Ou o time irá ignorar completamente a meta (tornando-a piada interna nos corredores da empresa). Ou você criará um bando de estressados, medrosos e competindo (desnecessariamente) entre si. O estresse é justamente o excesso de pressão que compromete a saúde (e a produtividade) de todos e o medo (de perder a comissão, os prêmios, o reconhecimento e até o emprego) obviamente não é o melhor estimulante quando se precisa de gente realmente empenhada, com a serenidade suficiente para preocupar-se com a venda, não com a pressão da chefia. O pior é o time se esforçar e conseguir resultados razoáveis mesmo num cenário ruim mas, como a meta era muito alta, no final todos ficam ainda mais desmotivados.

Muitos líderes, no auge de sua cegueira empresarial (com num barco afundando), apegam-se a metas inviáveis (como pesadas âncoras) rumo à morte. Melhor seria recuar nas expectativas e conseguir a sobrevivência da empresa.

Também não quer dizer que não se deva estabelecer uma meta coerente. “Se você não sabe aonde quer chegar, qualquer caminho servirá” – já dizia Gato de Cheshire (personagem de Lewis Carroll, em “Alice no país das maravilhas”). O Gato de Cheshire, aliás, é melhor referência do que certa presidenta que conhecemos.

Dilma: não vamos estipular uma meta, se alcançarmos vamos dobrar a meta.

Lembrando o que é preço e valor

Não se esqueça de que, num momento generalizado de crise, seu cliente tem menor capacidade de comprar (e de pagar). Esquecer-se disto significa não vender. E não preciso nem dizer o que significa não vender.

No clássico conceito de composto de marketing (4 Ps), de Jerome McCarthy, “product + price + promotion + place”, o preço é o segundo componente. Já no composto de marketing para o cliente (4 Cs), de Robert F. Lauterborn, “consumer needs + cost + communication + convenience”, o segundo componente é o custo.

Ou seja, o que é preço para você é custo para o seu cliente. Já o valor é a soma dos benefícios do produto ou serviço, a qual se atribui um preço.

Sendo assim, este custo somente será aceito pelo seu cliente se representar algo de valor percebido… para ele.

Logo, você precisa não somente gerar valor com seu produto (com benefícios percebidos, sejam tangíveis ou não), ter um preço que o justifique, comunicar (para informar e convencer deste valor) e entregá-lo. Por isto que Marketing precisa considerar o preço num contexto.

As cinco barreiras para que alguém compre de você são:

  1. Valor – o cliente ou potencial cliente não percebe valor em seu produto ou serviço que lhe compense pagar o preço. Isso pode ser um problema do próprio produto (ou serviço), do preço (se for incoerente), ou da comunicação (dos benefícios).
  2. Acesso – o tempo ou custo para chegar ao ponto-de-venda (ou o produto ser entregue), ou ainda as formas de pagamento, podem afastar o comprador.
  3. Dinheiro – o cliente vê valor em seu produto, mas não possui condições financeiras para a compra, mesmo que já tenha comprado no passado.
  4. Incertezas – o cliente vê valor em seu produto, tem dinheiro, mas está com receio do futuro, prefere segurar o dinheiro e na repriorização de custos, seu produto ficou de fora.
  5. Concorrência – seus concorrentes apresentam mais benefícios ou menores preços (ou ambos), fazendo com que, ao menos neste momento (ou a partir deste momento), seu produto não seja comprado.

Em tempos de crise é mais difícil vender justamente por ser mais difícil manter a percepção de valor (primeira barreira) e as três barreiras finais (dinheiro, incertezas e concorrência) ficam mais acentuadas.

A definição de metas e margens de contribuição para o lucro é estratégica e, com elas, a definição de preços (pricing), cujos detalhes e cálculos são táticos. E fundamentais para a sobrevivência dos negócios.

Então, vou lhe contar as regrinhas básicas de pricing:

  • O preço de venda deve cobrir, ao menos, os custos e despesas da operação, os impostos e gerar uma margem de contribuição para o lucro, para que a empresa se sustente.
  • O lucro projetado decorre das metas, e portanto, a margem pode ser estipulada para se chegar ao preço. Enquanto custos, despesas e impostos são mensurados.
  • Das regras acima, se chega à forma básica e clássica de se calcular um preço no mundo ideal. Infelizmente, no mundo real, outras variáveis são consideradas e logo, o preço máximo poderá ditar a margem de lucro possível.
  • O preço deverá considerar o valor comunicado e percebido para o cliente. Deverá ser coerente com a relação custo-benefício oferecido. E coerente com o próprio histórico de preços.
  • O preço deverá considerar a concorrência. Ignorá-la não a fará desaparecer. Se você cobra mais, é preciso que o mercado esteja convencido (e não apenas você) de que realmente vale mais.
  • O preço deverá considerar os custos e canais de distribuição, sem que um canal inviabilize outro.
  • O preço deverá considerar o posicionamento do produto. Não faz sentido um produto posicionado como “de luxo” ou “premium” ter uma redução drástica para acompanhar os concorrentes inferiores ou para “desencalhar as vendas”. Nem um produto posicionado como “popular e barato” ter um aumento drástico só para compensar aumento de custos.
  • E por fim, o preço, em tempos de crise, deve considerar a queda do poder de compra do cliente e a necessidade de sobrevivência da empresa, sem que isto cause uma desesperada redução que desconsidere as demais variáveis.

Não se consegue repensar preços sem repensar metas, por isto falamos de meta antes de falar de preços.

Feita esta lembrança básica e teórica de Marketing de Preços, vamos ao pensamento estratégico para rever os preços.

Os preços e a lógica da crise do imóvel fechado

Vou exemplificar com duas pessoas que possuíam, cada uma, um apartamento para alugar, por R$ 1.000. As despesas dos dois imóveis, com manutenção e impostos, eram similares, R$ 200 ao mês. Em tempos de crise, com pouca procura e muitos imóveis para alugar, os dois estavam “encalhados” (vazios).

O dono do primeiro apartamento, recusava qualquer proposta de menor valor, não baixava os R$ 1.000 de forma alguma. O segundo resolveu baixar o valor para R$ 800.

Em um ano, o primeiro imóvel ficou fechado, com um prejuízo amargo de R$ 2.400 das despesas. E o segundo conseguiu locar, faturando R$ 9.600, logo, pagou as despesas de R$ 2.400 e ainda rendeu R$ 7.200.

Isso significa que reduzindo 20% do preço, o segundo proprietário salvou-se de prejuízo, embora tenha lucrado 25% menos. Já o primeiro, conseguiu apenas prejuízo.

jogo-de-cintura
E não esqueça o que disse o diretor, pra vender na crise precisa jogo-de-cintura.

Como alterar o preço de um produto? Quais as alternativas?

Uma saída para a crise pode ser repensar e rever os preços dos produtos e serviços.

Claro, com os devidos cuidados, com o devido planejamento e sem exagerar ou cair no desespero. Não se esqueça das regrinhas citadas no início do texto.

Redução estratégica não é gerar uma guerra predatória de preços com a concorrência (em que ninguém vence), nem depreciar o valor do seu produto, nem chegar a um baixo patamar (irrecuperável após a crise).

Por exemplo, você vende uma caixa de biscoitos a R$ 20, sendo que R$ 5 são sua margem de lucro. Depois de estudar custos e impostos, você percebe que consegue vender a R$ 15 e reter R$ 4. Ou seja, -25%.

Com uma redução assim, você percebe que poderá, depois da crise, gradativamente (sutilmente) subir até R$ 18 ou R$ 19. Melhor do que os biscoitos estragando no estoque.

Noutro exemplo, você vende uma caixa de 100 biscoitos por R$ 20, mas se vendesse uma caixa de 50 biscoitos por R$ 12 (veja, não é proporcional), mais pessoas poderiam comprar.

Neste caso você reduziu preço, mas também reduziu características ou quantidades de produto.

Num terceiro exemplo, você vende uma caixa de 100 biscoitos por R$ 20, mas consegue economizar com embalagens e logística se vender 1.000 biscoitos por R$ 170, repassado a vantagem de volume para o comprador.

E num quarto exemplo, você vende suas caixas de biscoitos para as revendas em 3 parcelas com juros. Mas, percebe que a inadimplência cairia se tirasse os juros deste período de 3 meses ou ampliasse o pagamento para 6 meses, com juros.

Nos 4 exemplos dados, apenas o primeiro implica em sacrifício (prudente) de margem de lucro, os demais são alternativas. Nos 4 casos o objetivo é o mesmo, ser flexível e sobreviver na crise.

Os exemplos, claro, são simples e didáticos. Os preços de sua empresa precisarão de (muitas) contas para se chegar uma decisão.

E se fosse um serviço?

Os exemplos dos biscoitos, acima, valem também para prestadores de serviço, exceto a redução de quantidades (que pode não ser aplicável a algumas modalidades de serviço). Logo, é possível reconsiderar margens de lucro, volume (se houver escala) e condições de pagamento (exceto em serviços recorrentes, para não acumular mensalidades).

Então, considere a “redução de quantidades”, como a redução de escopo do seu serviço. Vejamos alguns exemplos:

  • A revenda de gás (botijão GLP) que não repassou o aumento do preço (da dona Petrobrás) para os clientes que fossem buscar o botijão no local (pela economia do frete).
  • O salão de beleza que dá um desconto para as clientes que levam seus próprios esmaltes e tintas.
  • A empresa aérea que cobra menos do cliente que faz check-in pela Internet com antecedência de algumas horas.
  • O banco que não cobra pela transferência feita na Internet (o que na prática, repassa o custo de digitação de dados e de impressão de comprovante para o cliente).
  • A pizzaria que vende as pizzas no balcão com a opção de congeladas ou “prontas para assar” por um valor menor do que as pizzas assadas.
  • O taxista que não cobra nova bandeirada se o cliente voltar com ele num prazo inferior a meia hora (boa dica para concorrência do tão temido Uber).
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Algumas pessoas possuem grande dificuldade em trabalhar com preços.

E o cliente da casa?

Para a grande maioria das empresas, o custo de aquisição de um cliente novo é maior do que o custo de atendimento de um cliente da casa. E geralmente quando não é, a conta não foi bem feita.

Então ao reposicionar preços (por margens, quantidades ou características), não custa considerar fazer ofertas melhores para quem já é cliente, para quem compra sempre, para quem lhe indica para outros clientes e para quem compra mais.

Claro que aí você não poderá fazer uma comunicação massiva, já que apenas uma parte do público será beneficiada.

O que fazer então? Um bom uso de seu banco de dados. E as ferramentas do marketing digital estão aí para isto, mas daí já não é preço, é comunicação e relacionamento.

Indo além do preço e superando a crise

Não adianta reposicionar preços (seja qual for o caminho seguido, da redução de margem até a mudança no parcelamento) se isto não for (muito bem) comunicado. Aliás, é preciso deixar claro que preço menor não quer dizer menor qualidade. Não há nada pior para uma marca do que dizerem “essa já foi boa, agora estão apelando”.

Então, nem pense em cortar investimentos em comunicação em tempos de crise. Pense em replanejar estes investimentos, priorizando as ações e canais de comunicação com melhor performance.

Como você notou, as revisões de preço podem impactar em revisões de produto e de praça (ou melhor, de logística e canais de distribuição), além de uma nova estratégia de comunicação.

Por isso ressalto, Marketing requer estratégia integrada, com todos os componentes avaliados em conjunto. E nesta hora difícil, você ser ou contar com um estrategista de mercado é vital.

Também será preciso repensar custos, investimentos, prioridades de marketing, reter talentos e minimizar este clima ruim de crise entre as pessoas que trabalham na empresa, mas daí já tema para outros artigos.

Conclusão

Em tempos de crise, seus clientes podem ter dificuldades em comprar e a empresa precisa tomar um choque de realidade, repensando suas metas e preços. É melhor ganhar menos do que a empresa quebrar enquanto você joga a culpa no time de vendas. Sobrevivência é a palavra-chave. O que não significa obrigatoriamente reduzir margens de lucro (ou apenas isto). E também não significa uma redução desesperada que comprometa o futuro da empresa, durante e depois da crise.

Por Charles A. Müller, publicitário, Master in Business Administration e profissional de marketing (numa carreira de 15 anos, sendo metade calculando preços, de produtos e serviços). É editor do SiteCharles.com.

Veja também:

Eles virão? E a comunicação? O triste caso do Seu Juca.

 

Coronavírus / COVID-19: como se comunicar, vender e entregar em tempos de isolamento social e pandemia?

 

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3 thoughts on “Repensando metas e preços na crise

  • 02/10/2015 em 12:33
    Permalink

    Gostei. Nesta época ficamos ansiosos e sufocados com as metas, parece que tem errado conosco por não vender tanto, quando o problema é outro.

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    • 02/10/2015 em 14:05
      Permalink

      Grato por por você ter voltado ao site e pelo seu comentário, Edson. É o que digo, sufocar o time de vendas não resolve (só piora); melhor é ter metas compatíveis com a realidade.

      Resposta
  • 14/07/2016 em 15:29
    Permalink

    Profissionais da Área da Beleza que Desejam Conseguir Mais Clientes Para Superar a Crise ou Atingir o Absoluto Sucesso Profissional.

    Resposta

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